Envelhecimento e saúde

Alterações Fisiológicas do Envelhecimento e Alimentação

Introdução

Para além das alterações fisiológicas que ocorrem com o processo de envelhecimento há, igualmente, alguns erros nutricionais individuais que se vão mantendo ao longo dos anos. No entanto, quando se é mais velhos, estes erros adquirem uma dimensão de maior preocupação, sobretudo quando não se percebe o erro por falta de conhecimento, sendo por isso necessário estar consciente das limitações que passam a existir e das formas de as ultrapassar.

Adaptação nutricional após os 50 Anos

A partir dos 50-60 anos, a nutrição ter-se-á de adaptar à nova realidade de «menos energia – menos calorias – metabolismo mais lento». Por isso, a “atividade física diminui e com ela a necessidade de calorias. Nos homens a necessidade situa-se em 2000 kcal/dia e nas mulheres 1800 kcal/dia … [pelo que] … os idosos têm de consumir alimentos de grande valor nutritivo, mas com poucas calorias” (SILVA, 2013: 19)[1]. Também algumas síndromes podem obrigar a mais energia. Todavia, a prática continuada de exercício físico, com alguma intensidade, pode alterar o perfil de redução calórica.

No que concerne à associação das alterações fisiológicas do envelhecimento com a alimentação, sintetizam-se os aspetos que consideramos mais relevantes[2]:

Diminuição do metabolismo basal

Com o aumento da idade, o corpo gasta menos calorias para se manter, pelo que terá de haver um ajustamento calórico – comer de 3/3h30 ajuda a aumentar a queima de calorias. Como resultado, não havendo cuidado, à diminuição da massa muscular poder-se-á juntar uma acumulação de tecido adiposo e a pessoa vai aumentando de peso e alterando a sua fisionomia, pelo que é fundamental comer bem e de forma saudável.

Este declínio está relacionado com alterações na composição corporal a que não é estranha a diminuição das hormonas sexuais, que, todavia, podem ser objeto de «modelação» com a ajuda da medicina antienvelhecimento[3]. Também a perda de músculo (cerca de 200g entre os 40 e os 60 anos) pode ser retardada com adequada suplementação e prática de musculação.

Consulta Antiaging: o que é?

Feridas e úlceras de pressão

As feridas e úlceras de pressão surgem nos doentes que passam muito tempo acamados, que têm incapacidade de transmitir o desconforto, maus cuidados de higiene e défice nutricional, porque consoante o posicionamento da pessoa há proeminências ósseas, por exemplo nas nádegas, ombros, cotovelos ou calcanhares, zonas que estão apoiadas durante muito tempo e em que o próprio peso vai fazendo pressão, até que fere, porque interrompe a circulação e a oxigenação dos tecidos, impede que os nutrientes cheguem ao local, os tecidos morrem e surge a úlcera. Uma deficiente nutrição dificulta o quadro clínico, pelo que é necessário saber que os doentes acamados têm de estar bem nutridos.

A situação continua preocupante porque o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes – PNSD 2021-2026 (Objetivo Estratégico 5.1 – Implementar e consolidar práticas seguras em ambiente de prestação de cuidados de saúde;  Objetivo Estratégico 5.2 – Monitorizar a implementação de práticas Seguras)[4] reforça o que o PNSD 2015-2020 (Objetivo Estratégico 7 – Prevenir a Ocorrência de Úlceras de Pressão)[5] já pretendia em relação ao controlo, monitorização e implementação de práticas seguras em relação às úlceras de pressão.

Alterações na perceção sensorial

Entre as mudanças sensoriais que ocorrem com o processo de envelhecimento (declínio visual, auditivo, olfativo e gustativo), a gustação e o olfato são as que interferem mais diretamente na ingestão de alimentos, também afetada pela visão diminuída.

Ao nível da gustação, as alterações e mudanças degenerativas que ocorrem nas células são responsáveis por diferentes alterações nos sabores, tais como «ageusia» (ausência de capacidade gustativa), «hipogeusia» (redução da capacidade gustativa) e «disgeusia» (perceção distorcida do sabor).

A perda/ redução do sabor dos alimentos (doce, amargo, ácido, salgado) acaba por influenciar o apetite da pessoa mais velha, sobretudo influenciado pela palatabilidade dos alimentos (CAMPOS, 2000: 160), conduzindo a perda de interesse pela comida e por cozinhar e gerando negligência alimentar.

A menor discriminação do «doce» e do «salgado» em consequência da alteração do paladar pode levar a pessoa mais velha a adoçar ou a salgar em demasia a comida, desde que não esteja educada para trabalhar com as proporções adequadas (p. ex. colher de café ou colher de chá). Também neste aspeto é importante a formação atempada para o processo de envelhecimento e sua ligação à nutrição.

Outro fator com influência na sensibilidade aos sabores é o olfato. As alterações de olfato implicam uma redução da capacidade discriminatória para diferentes odores, manifestando-se por «anosmia» (ausência de capacidade para perceber odores), «hiposmia» (redução da capacidade olfativa) e «parosmia» (distorção na capacidade de perceber os cheiros).

Estas alterações prejudicam os aspetos relacionados com a alimentação e a nutrição, porque a pessoa mais velha deixa de reconhecer os cheiros tradicionais das diferentes comidas/ cozinhados, o que pode ocasionar incompetência na confeção com a consequente negligência alimentar.

A visão diminuída pode influenciar a perda de apetite devido à diminuição da capacidade de reconhecimento dos alimentos e a perdas na habilidade de se alimentar.

Alterações na capacidade mastigatória

Com a idade e independentemente do género há alterações na capacidade mastigatória, devido ao aparecimento de cáries, a doenças periodontais, a próteses já desajustadas/ fora de prazo de vida útil e/ou falta de dentes, com consequências diretas no ato de mastigar e concomitantemente no processo digestivo, por desadequações nos aspetos enzimáticos e mecânicos.

O edentulismo (falta de dentes, parcial ou total) não é uma consequência natural do envelhecimento, porque os dentes naturais, quando bem tratados, podem permanecer em funcionamento por toda a vida. Muitas vezes as doenças periodontais estão relacionadas com a precariedade da higiene bucal e com alterações salivares. Também a saúde dentária deveria incorporar uma formação para um adequado processo de envelhecimento e um maior acompanhamento por parte do SNS.

As “pessoas que usam dentaduras mastigam 75 a 85% menos eficientemente que aquelas com dentes naturais” (CAMPOS, 2000: 160), tornando-se a mastigação mais dolorosa e desagradável, reduzindo por isso o consumo de alimentos de maior dureza (carnes, frutas, vegetais frescos) e optando pelo consumo de alimentos macios e mais facilmente mastigáveis, mas pobres em fibras, vitaminas e minerais. Os implantes dentários poderiam minimizar a substituição dos dentes naturais, mas, o seu elevado preço, conjugado com as comparticipações ausentes/ deficientes e as baixas pensões das pessoas mais velhas, afasta a maioria desta opção.

Diminuição da sensibilidade à sede 

A hidratação é fundamental nas pessoas mais velhas, até porque a alteração na sensação de sede é atribuída a disfunção cerebral, diminuição da sensibilidade dos osmorrecetores ou debilidade física (dependência de outras pessoas).

A hidratação normal, em indivíduos com função renal e cardíacas normais, é de 30 ml/kg entre os 55 e os 65 anos e de 25 ml/kg acima dos 65 anos.

A hipodisipia (ingestão insuficiente de líquidos) para além de associada a disfunções, pode ainda estar relacionada com o uso frequente de diuréticos e laxantes (CAMPOS, 2000: 162).

Alterações do aparelho digestivo

As principais evidências são o decréscimo no limiar do gosto e a atrofia da mucosa gástrica, com consequência na menor produção de ácido clorídrico (hipocloridria), fundamental para a digestão de proteínas e para uma boa absorção de ferro, zinco, ácido fólico e vitamina B12 (cobalamina), protegendo o organismo de bactérias como a Helicobacter Pylori, associada à gastrite. Das alterações mais relevantes, destacam-se:

  • Decréscimo no tamanho do fígado e diminuição do fator intrínseco (glicoproteína) com a consequente diminuição da absorção da vitamina B12 no intestino delgado (CAMPOS, 2000: 160), fundamental para a síntese de DNA, RNA e mielina, sendo igualmente necessária à produção de eritrócitos (eritropoiese) e à boa manutenção do sistema nervoso. A deficiência em vitamina B12 tem diferentes transtornos, particularmente na população mais velha, tais como anemia, anorexia, diarreia, fadiga, falta de apetite, falta de ar, irritabilidade, palpitações, perda de peso, transtornos mentais/ neurológicos (ataxia, demência, confusão mental, perda de memória).
  • Alterações intestinais responsáveis por atrofia na mucosa e no revestimento muscular que conduzem à deficiente absorção de nutrientes e ao aparecimento de diverticulose, resultante da menor motilidade no intestino grosso, também responsável por prisão de ventre (igualmente relacionada com a baixa ingestão de líquidos e de fibras, diminuição do número de refeições, depressão e inatividade), CAMPOS, 2000: 162.
  • Alterações na função pancreática que diminui sob estimulação repetida de secretina e colecistocinina (CCK), duas hormonas digestivas. A secretina tem por principal função estimular a secreção de bicarbonato de sódio pelo pâncreas, que ajuda a neutralizar o ácido gástrico e assegura a digestão das gorduras. A colecistocinina desempenha igualmente um papel fundamental na facilitação da digestão no intestino delgado e porque atua no hipotálamo sinaliza a saciedade. Uma má nutrição que promova alterações no pâncreas põe em causa a saúde digestiva das pessoas mais velhas.

Objetivos: Envelhecimento Ativo, Bem-Estar e Inclusão ►


Bibliografia

[1] SILVA, Ana Luísa M. R. (2013). “A importância da Alimentação no Envelhecimento Saudável e na Longevidade”. Trabalho Final do 6º Ano Médico com vista à Atribuição do Grau de Mestre do Ciclo de Estudos do Mestrado Integrado em Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/33270/1/TRABALHO%20FINAL.pdf

[2] CAMPOS, Maria Teresa F. S.; MONTEIRO, Josefina B. R.; ORNELAS, Ana Paula R. C. (2000). «Fatores que afetam o consumo alimentar e a nutrição do idoso». Revista de Nutrição, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas, 13(3): 157-165, set., /dez., 2000. COGNOS (2019). Manual do Formando. Módulo V. Nutrição Geriátrica. Pós-graduação Avançada em Gerontologia Clínica. COGNOS – Formação e desenvolvimento pessoal. Vila Nova de Gaia, pp. 15-24.

[3] Sobre esta questão, a médica Mara Fragomeni (Clínica Acqua Health Care da Dra Mara Fragomeni. https://www.acqua-clinic.pt/sobre-nos/) afirma que “A Medicina antienvelhecimento ou anti-aging trabalha sobre duas premissas: viver mais e viver melhor. Sua base é a medicina preventiva associada à modulação hormonal, nutrição, desporto e bem-estar mental”, enquanto o médico Manuel Pinto Coelho (Pinto Coelho Clinic. https://pintocoelhoclinic.com/ ) justifica: “O inimigo não é a idade. O verdadeiro problema é a nossa dieta, a nossa inatividade e o declínio dos nossos níveis hormonais”.

[4] Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2021-2026. Despacho nº 9390/2021. Diário da República, 2ª série, nº 187, 24 de setembro de 2021. https://files.diariodarepublica.pt/2s/2021/09/187000000/0009600103.pdf

[5] Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2015-2020. Despacho nº 1400-A/2015. Diário da República, 2ª série, nº 28, 10 de fevereiro de 2015. Disponível em: https://www.dgs.pt/departamento-da-qualidade-na-saude/ficheiros-anexos/plano-nacional-para-a-seguranca-dos-doentes-2015-2020-pdf.aspx

Olá, sou Raul Jorge Marques

Geógrafo. Mestre em Geografia Humana - Desenvolvimento Regional. Curso de Sensibilização em Gestão e Inovação Organizacional da Empresa. Pós-graduado em Gerontologia Social e em Gerontologia Clínica. Consultor independente em Desenvolvimento Local/Regional, Prospetiva Estratégica Territorial e Gerontologia. Coordenador Científico do Grupo de Trabalho Envelhecimento Ativo e Desenvolvimento Local da ANIMAR.