Artes e Cultura na Promoção da Saúde e do Bem-estar

Envelhecimento e saúde

Introdução

A relação entre cultura e saúde pode não ser amplamente discutida, mas é essencial para o bem-estar das pessoas. As artes e a cultura desempenham um papel significativo na prevenção de doenças e no fortalecimento das comunidades. Além de complementarem tratamentos médicos, essas iniciativas promovem qualidade de vida e bem-estar. Contudo, algumas questões importantes merecem reflexão:

  • Qual é o impacto das artes e da cultura como ferramenta preventiva em saúde?
  • De que forma artistas e organizações culturais podem capacitar as comunidades para melhorar a saúde e o bem-estar?
  • Que estratégias culturais podem ser implementadas a nível local para beneficiar os/as residentes e visitantes?
  • Como é que as entidades de saúde podem liderar a prescrição social e cultural?

Influência e efeitos das artes na saúde

Incentivar os pacientes a envolverem-se com as artes em ambientes clínicos pode contribuir para a redução da dor, minimizar efeitos colaterais de tratamentos e aliviar o stress. Além disso, integrar a arte nos espaços de saúde beneficia tanto profissionais como pacientes. Por isso, incluir as artes na formação dos profissionais de saúde melhora a comunicação e a compreensão das necessidades dos/as pacientes de todos os grupos sociais, etários e étnicos..

Uma revisão da literatura médica publicada entre 1990 e 2004, realizada por Rosalia Staricoff para o Arts Council England, avaliou a influência e os efeitos das artes na saúde[1] e alertou para o facto de ainda existirem muitas áreas por explorar neste domínio, tais como: avaliar o efeito das artes na educação e no treino das equipas médica e de enfermagem, observando em particular o efeito no desempenho e nas interações com o paciente; compreender a contribuição de diferentes formas de arte para a criação de um ambiente terapêutico de apoio em saúde mental; e compreender a relação entre a introdução das artes no ambiente da saúde e o recrutamento e retenção do pessoal.

Evidências dos benefícios clínicos das artes

Esta revisão, que incluiu 385 referências da literatura médica, identificou diversas áreas nas quais os estudos mostraram evidências claras e confiáveis de que os resultados clínicos foram alcançados por meio da intervenção das artes, destacando-se a sua importância em diferentes domínios: redução da ansiedade e da depressão; controlo da pressão arterial e da frequência cardíaca; melhoria da oxigenação ao nível do miocárdio; redução do consumo de medicamentos no tratamento da dor; melhoria do período de recuperação pós-operatória com redução do consumo de sedativos; e redução do tempo de permanência no hospital.

Impacto das artes no desempenho dos/as profissionais de saúde

Além dos benefícios diretos aos pacientes, as artes também impactam positivamente o ambiente profissional. Estratégias como a introdução da música para criar ambientes menos hostis, a exibição de obras de arte nos espaços de saúde e o uso da arte na formação de profissionais contribuem para um desempenho mais eficiente e uma maior satisfação no trabalho.

As principais evidências sobre o efeito direto das artes nos profissionais de saúde são:

  • a introdução das artes na educação de enfermagem e medicina conduziu a uma maior capacidade dos alunos e alunas para a análise crítica e compreensão da doença e do sofrimento, levando os profissionais a responderem de maneira mais humana e cuidadosa às necessidades médicas, éticas e sociais;
  • a introdução das artes plásticas junto dos alunos e alunas de enfermagem evidenciou que as artes aumentam a consciência para lidar com a doença e o luto, além de fortalecer a confiança na sua própria prática;
  • as artes visuais contribuem para o desenvolvimento das habilidades de observação do/a médico/a e no aumento da habilidade de desenho, visão estereoscópica e pensamento tridimensional em neurocirurgiões; e
  • o uso da música em salas de operação cria um ambiente menos stressante para a equipa cirúrgica e aumenta o desempenho da tarefa mental em cirurgiões.

Contribuição das diferentes formas de arte para a saúde

Embora a relação entre diferentes manifestações artísticas e a saúde ainda exija mais estudos, há evidências mais robustas sobre os seus benefícios para a saúde mental. As artes facilitam a comunicação, estimulam a criatividade e reforçam a autoestima dos pacientes. Além disso, reduzem a necessidade de medicação e medidas de contenção física, proporcionando um ambiente mais acolhedor.

P31 – CH | Psiquiátrico de Lisboa

Relação entre cultura e prescrição social

Ainda no domínio da relação entre as diferentes manifestações culturais e a “prescrição social”, considera-se útil a constituição de protocolos que permitam encaminhar os/as pacientes diretamente para grupos locais de voluntariado, associações e empresas sociais dedicadas às artes e ao património. Todavia, como não se pode esperar que o profissional de saúde tenha um conhecimento atualizado da oferta que existe na comunidade local, poderia ser interessante a qualificação de profissionais de ligação (por exemplo, consultores de saúde, facilitadores de cuidados e coordenadores de prescrição social) para fazer a ponte entre o prescritor e os fornecedores de serviços, em domínios diversificados que abarquem projetos de utilidade para a saúde e o bem-estar, nos domínios das artes visuais (nomeadamente da “arte bruta”), da escrita criativa, da musicoterapia, do exercício físico adaptado a diferentes patologias e idades, do usufruto do património construído e natural (divulgação do património local, visitas a museus, caminhadas e atividades baseadas na natureza, etc.).

O Projeto Manicómio: um exemplo

O Projeto Manicómio é uma demonstração de «arte bruta» potencialmente transferível, também inclusiva e salutogénica, criado em 2019 e desenvolvido em Lisboa (Beato) pela Associação de Desenvolvimento Criativo e Artístico P28, que dinamiza o pavilhão 31 (P31) do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, onde durante duas décadas os autores (Sandro Resende e José Azevedo), fundadores da P28, deram aulas de artes plásticas a doentes do Hospital Júlio de Matos. Trata-se de um projeto que acolhe diferentes expressões artísticas (pintura, desenho, cerâmica e escultura) e que pretende ajudar a quebrar barreiras, desmistificar o estigma associado à doença mental, incentivar a empregabilidade dos artistas e promover a sua inclusão social. A P28 foi agraciada em 2019 com a distinção de mérito do Ministério da Saúde por serviços únicos e exemplares prestados ao Serviço Nacional de Saúde e ao país, no âmbito da promoção e prevenção da doença mental.

‘Manicómio’ um espaço de criação artística para pessoas com doença mental – PT2020

A perspetiva de que o acesso às artes melhora a saúde mental e física das pessoas e que isso as torna mais felizes e mais saudáveis foi também defendida por Matthew Hancock (Matt Hancock), Secretário de Estado de Saúde e Assistência Social do Reino Unido de 2018 a 2021, que lançou em 2020 uma iniciativa de «prescrição social» sustentada numa recomendação aos médicos para que “prescrevam tratamentos terapêuticos baseados em arte ou tratamentos à base de passatempos, que permitam aos pacientes combater questões como a demência, a psicose, as doenças pulmonares, entre outros problemas de saúde” [2], um plano simples que consiste em “inscrever pacientes em aulas de dança e em aulas de canto, ou ajudá-los a desfrutar da sua própria playlist de músicas”[3].

Fonte: Portugal Inovação Social

Benefícios da musicoterapia

Um outro estudo de revisão da literatura médica sobre modalidades de intervenções musicais em ambiente hospitalar, realizado por Campos e Nakasu (2016)[4] com base numa amostra de 83 artigos científicos de 230 selecionados e avaliados, refere diferentes benefícios da musicoterapia:

  • Alteração de sinais vitais em prematuros;
  • Diminuição de sintomas depressivos;
  • Melhoria da qualidade do sono;
  • Redução da frequência cardíaca;
  • Redução da frequência respiratória;
  • Redução da pressão arterial;
  • Redução de cortisol salivar após intervenção musical;
  • Redução do nível de angústia;
  • Redução do nível de ansiedade (o mais significativo).

A produção de música para ser utilizada por psicoterapeutas, psicólogos/as ou em salas de espera de consultórios médicos ou de hospitais teve, nos anos noventa do século XX, uma produção de biomúsica neurológica, de que são exemplo os trabalhos de Ernest Hanquet no The Bioinformation Study, Valencia, com títulos dedicados a diferentes benefícios: Para Eliminar el Stress; Sed Hacia el Equilíbrio Mental; Mensaje de la Paz Profunda; Para Conseguir la Inspiración.

As «artes-terapias» e o desenvolvimento local

De uma forma geral poder-se-á dizer que é necessária uma maior sensibilização de pacientes e de profissionais de saúde paras as «artes-terapias», desenvolvidas localmente por mediadores artísticos em diferentes domínios, tais como, pintura, desenho, modelagem, escultura, colagens, drama e jogos dramáticos, marionetas, jogo de areia, expressão corporal, música, canto, poesia, escrita livre, escrita criativa e contos.

A Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia organiza ações de formação, bem como workshops e atividades no âmbito da arte-terapia, da criatividade e das terapias expressivas (tais como o psicodrama, a dança-terapia, a dramaterapia e a musicoterapia), que são dirigidas ao público em geral.

Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia — Federação Portuguesa de Psicoterapia

Conclusão

A arte e a cultura desempenham um papel essencial na promoção da saúde e do bem-estar, proporcionando benefícios tanto para os/as pacientes quanto para os/as profissionais de saúde. Além de favorecer a expressão emocional e a criatividade, a presença das artes nos espaços clínicos contribui para ambientes mais acolhedores e humanizados. Portanto, é fundamental que as instituições de saúde considerem a integração das artes não apenas como um recurso terapêutico, mas como um elemento essencial para melhorar a experiência dos pacientes e fortalecer o vínculo entre a medicina e a cultura.

A música ambiente adequada ao objetivo clínico e as paredes bem decoradas, com quadros bem-adaptados à função comportamental pretendida, tornam os espaços mais acolhedores, contrariamente ao que existe em algumas modernas construções hospitalares em que as paredes nuas, brancas e frias, minimalistas em termos de investimento na qualidade do espaço, o tornam mais agressivo, contribuindo para deixar os pacientes menos à vontade e os profissionais menos agradados.

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Bibliografia

[1] Staricoff, Rosalia Lelchuk (2004). Arts in health: a review of the medical literature. Research report 36. Arts Council England, https://www.creativenz.govt.nz/assets/ckeditor/attachments/1030/staricoff_r_arts_in_health.pdf?1410235845

[2] http://scienceplatformpt.cbmr.ualg.pt/index.php/2018/11/15/medicosbritanicosprescrevemarteecultura/

[3] Meilan Solly, jornalista do Smithsonian, in http://scienceplatformpt.cbmr.ualg.pt/index.php/2018/11/15/medicosbritanicosprescrevemarteecultura/

[4] CAMPOS, Louise Ferreira; Nakasu, Maria Vilela (2016). “Efeitos da Utilização da Música no Ambiente Hospitalar: revisão sistemática”. Revista Sonora, 2016, vol. 6, nº 11, Campinas, Brasil. https://www.iar.unicamp.br/wp-content/uploads/2021/07/V06_ED11_A02_EfeitosUtilizMusicHosp.pdf

Olá, sou Raul Jorge Marques

Geógrafo. Mestre em Geografia Humana - Desenvolvimento Regional. Curso de Sensibilização em Gestão e Inovação Organizacional da Empresa. Pós-graduado em Gerontologia Social e em Gerontologia Clínica. Consultor independente em Desenvolvimento Local/Regional, Prospetiva Estratégica Territorial e Gerontologia. Coordenador Científico do Grupo de Trabalho Envelhecimento Ativo e Desenvolvimento Local da ANIMAR.