Conceito de envelhecimento ativo
De uma forma simplista podemos afirmar que neste momento coalescem duas grandes visões de envelhecimento, uma visão determinista (mais doença – maior incapacidade – menor qualidade de vida), a par de visões otimistas que defendem que é possível retardar ou parar o envelhecimento, que o envelhecimento pode ser alentecido, a que se juntam ainda discursos pessimistas (quem paga as pensões?).
O conceito de «envelhecimento ativo» de referência é o preconizado pela Organização Mundial de Saúde em 2002, suportado na “otimização de oportunidades”, nos domínios da saúde, da participação social e da segurança, com vista a melhorar a qualidade de vida enquanto se vai envelhecendo. Um conceito suportado em determinantes que têm no género e na cultura fatores transversais, relacionados com as características individuais, variáveis comportamentais e do meio físico, bem como serviços sociais e de saúde.
Envelhecer com qualidade: que desafios?
Todavia, viver durante mais tempo, envelhecer com qualidade, coloca diversos desafios sociais, nomeadamente: i) maior vida ativa – trabalhar até mais tarde, o que permitirá assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões; ii) vencer barreiras nas atitudes em relação às pessoas mais velhas no trabalho; iii) introduzir mudanças nas condições de trabalho para acompanhar as pessoas no seu processo de envelhecimento; iv) criar estímulos e aprendizagens ao longo da vida (ativa e não só), fundamental em termos cognitivos e por isso a contemplar nas políticas de envelhecimento; v) melhorar as habitações, integrando tecnologia para serem mais seguras e adaptáveis; vi) promover uma política de habitação que tenha em conta e inclua a comunidade, promovendo a coesão social nas áreas residenciais e garantindo acessibilidade a serviços; vii) melhorar a conectividade: mobilidade e transportes (muito diferentes entre as áreas rurais e urbanas); viii) ter em atenção a “geografia do envelhecimento” porque há profundas diferenças inter-regionais.
Alentecer o envelhecimento, aumentar a longevidade
É evidente que ao longo da vida vão ocorrendo alterações biológicas, psicológicas e sociais que afetam o processo de envelhecimento e a forma como é individualmente encarado. Todavia, apesar de se dever considerar que estas alterações “fazem parte da vida”, de um “novo ciclo de vida”, há uma questão pouco equacionada e que não é despicienda: o que se pode remodelar no «novo ciclo»? Estamos em crer que há várias possibilidades de contribuir para a «remodelação/ reparação», controlando o processo ou dando-lhe uma nova configuração, mantendo uma vida ativa em termos intelectuais, físicos e sexuais, corrigindo para o efeito o perfil hormonal através de adequada suplementação e monitorização.
Esta opção, a necessitar do apoio da «medicina antienvelhecimento», enquanto especialidade preocupada em estudar os sintomas normais do envelhecimento, avaliados com exames físicos e análises específicas, ainda não é de carácter universal, porque: i) é cara; ii) necessita de uma educação das pessoas para um novo equacionar do processo de envelhecimento (o gerontólogo pode ter um papel determinante); iii) necessita de uma maior comparticipação nos exames e análises (em termos de perfil hormonal a comparticipação é quase inexistente e as análises têm um preço elevado). iv) necessita de mais médicos a promoverem o antienvelhecimento (o desequilíbrio entre a oferta e a procura permite ainda preços elevados); v) necessita de uma instituição como a A4M – American Academy of Anti-Aging Medicine (https://www.a4m.com/about-a4m-mmi.html), líder para a educação médica continuada em medicina da longevidade, resiliência metabólica e cuidados com a pessoa como um todo. O Metabolic Medical Institute (MMI) é um ramo da A4M que oferece educação ao nível de pós-graduação para qualificar profissionais em todos os aspetos da medicina antienvelhecimento, com recursos de aprendizagem que utilizam métodos mistos, presenciais, on-line, sessões síncronas e assíncronas. Era bom ter algo do género em Portugal e menos conservadorismo por parte da Ordem dos Médicos.
O novo paradigma da longevidade
Para quem se preocupa com o novo «paradigma da longevidade», como uma conquista que entronca na problemática do controlo da mortalidade (qual a idade para não morrer?), que de certa forma acomoda o conceito de «envelhecimento ativo», acreditamos que a medicina antienvelhecimento possa ter um papel determinante no nosso futuro!
As preocupações com a longevidade e a vida eterna fazem parte da história da humanidade e, ainda hoje, se romanceia sobre a «sociedade longeva». Rachel HENG, no seu romance “Imortalidade”, Bertrand Editora, Lisboa, 2019, fala de uma sociedade assente num património genético de elevada selecção, que permitirá uma esperança média de vida de cerca de 300 anos. Será mesmo uma utopia?
Mas se o «mundo moderno» possibilita aos seres humanos uma maior sobrevivência no tempo, devido às melhores condições globais de saúde, não garante melhores condições sociais de vida na velhice, principalmente em países de economia mais débil e periférica, pelo que é urgente refletir sobre o envelhecimento, a sua condição geográfica e adequadas políticas públicas.
Muitas destas preocupações não são novas em termos da epistemologia da Gerontologia, nem tão pouco facilmente incorporadas, sobretudo se inovadoras, como sucedeu aliás com Élie Metchnikoff e Ignatz Nascher na primeira década do século XX.
Provavelmente, o mais difícil continua a ser mudar a lente de observação do envelhecimento, uma inovação introduzida logo na segunda década do século XX pelo psicólogo americano Granville Stanley Hall (1846-1924) que tentou comprovar com o seu livro Senescense: the last half of life (1922), considerado como o primeiro estudo sobre a velhice numa perspetiva psicológica, que as pessoas mais velhas eram detentoras de recursos até então ignorados, que “não voltam a ser adolescentes, não são iguais entre si, nem se tornam necessariamente comprometidos do ponto de vista intelectual”!
Contudo, como bem refere Papaléo NETTO (2006: 4), a manutenção da vida saudável de um «idoso», apesar de ser um dever da sociedade, não é politicamente encarada como um investimento de futuro, a que acresce o facto de se estar perante “um grupo etário politicamente ainda muito frágil”, o que dificulta o atendimento das suas reivindicações mais elementares.
Envelhecimento ativo e redes colaborativas
Igualmente fundamental para o envelhecimento ativo é a associação entre as redes sociais e a saúde, tanto mais que há comprovação empírica de que as redes sociais contribuem para “minorar as consequências negativas do stress”, quer as redes familiares quer as de amigos, que têm diferentes configurações consoante se fale em territórios rurais (maiores redes, sobretudo de vizinhos e confidentes) quer urbanos.
Em relação há rede de amigos relevam-se novas alternativas de cooperação e participação, novas oportunidades para um envelhecimento ativo sustentado, como o «cohousing» (habitação colaborativa) e as «aldeias de bem-estar».
O «cohousing», modelo habitacional criado na Dinamarca, tem vindo desde a década de 80 do século XX a ganhar adeptos noutros países. Na prática é uma opção pessoal de envelhecer ativamente na companhia de amigos, partilhando as decisões da vida em comum. É uma espécie de «vila privada» em que cada morador ou casal tem a sua casa e conta com espaços comuns para convivência, lazer, etc. Segundo o Centro Internacional sobre Envelhecimento – CENIE, para as pessoas mais velhas que desejam envelhecer num ambiente comunitário de apoio, a «habitação colaborativa» é uma boa alternativa às opções tradicionais, porque as pessoas confiam umas nas outras para ajudar quando necessário, o que proporciona um compromisso social muito importante, estimulando por isso o sentimento de comunidade, vizinhança e ajuda mútua.
As «Aldeias de Bem-estar» são um outro exemplo interessante que, em termos de desenvolvimento dos territórios de baixa densidade, permite pensar na construção de territórios de bem-estar e de coesão, através de investimento público privado ou misto que promova o aproveitamento do edificado devoluto para a instalação de pessoas mais velhas com poder de compra que se queiram fixar, ancorando o projeto num modelo que incorpore “unidades centrais de apoio, onde são servidas as refeições, se prestam cuidados e assistência médica (cuidados paliativos, serviços geriátricos, equipas no domínio da gerontologia 24 por dia, existência de médicos e enfermeiros sempre disponíveis,…)”.
Bibliografia
– GUARIENTO, Maria Elena; NERI, Anita Liberalesso; FATTORI, André; PEREIRA, Alexandre Alves (2013). «Pesquisa em Gerontologia», in FREITAS, Elizabete Viana; PY, Ligia et a. (2013). Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3ª Edição, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro.
– HALL, G. Stanley (1922). Senescence, the last half of life, D. Appleton and Company, New York
– HENG, Rachel (2019). “Imortalidade”, Bertrand Editora, Lisboa
– NETTO, Matheus Papaléo (2006). «O Estudo da Velhice: Histórico, Definição do Campo e Termos Básicos». In FREITAS, E. V. et al. (Org). Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2 edição, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, pp. 2-12.
– World Health Organization (2002). Active Ageing. A Policy Framework. Second United Nations World Assembly on Ageing, Madrid, Spain, April 2002.