Envelhecimento e Idade Remanescente: Um Novo Paradigma

Envelhecimento ativo

Atualmente, podemos afirmar que diferentes visões sobre o envelhecimento se entrelaçam. Por um lado, existe uma perspectiva determinista, que associa o avanço da idade a um aumento de doenças, maior incapacidade e uma redução da qualidade de vida. Além disso, há uma abordagem economicista, que levanta questões como: quem pagará as pensões no futuro? Por outro lado, há também visões mais otimistas que sustentam a possibilidade de retardar ou até mesmo interromper o processo de envelhecimento. Consequentemente, essas diferentes abordagens influenciam o modo como a sociedade encara o envelhecimento.

O conceito de «envelhecimento ativo», amplamente referenciado, é o preconizado pela Organização Mundial de Saúde em 2002[1]. De facto, ele baseia-se na “otimização de oportunidades” nos domínios da saúde, participação social e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida ao longo do processo de envelhecimento. Além disso, este conceito considera determinantes como género e cultura, ambos intrinsecamente ligados às características individuais, às variáveis comportamentais e ao ambiente físico, além dos serviços sociais e de saúde.

Introdução ao conceito de idade remanescente

Simultaneamente, é fundamental considerar a idade remanescente ao repensar o conceito de «idoso». Na realidade, esta designação pode carregar conotações estereotipadas, razão pela qual muitos especialistas em Gerontologia preferem expressões como “pessoas mais velhas”. Nesse sentido, a idade cronológica, embora seja amplamente utilizada como referência, nem sempre representa com precisão as alterações do envelhecimento—especialmente porque essa percepção varia de país para país.

Mas afinal, do que se trata? A idade remanescente é uma estimativa do tempo médio que uma pessoa pode esperar viver a partir de uma determinada idade. Este conceito é amplamente utilizado em estudos demográficos e de saúde pública.

A idade remanescente: um exemplo

Por exemplo, para calcular a idade remanescente de uma pessoa nascida em 1953, em Portugal, consideramos a esperança média de vida atual e a idade da pessoa em questão.

  1. Em 1950, a esperança média de vida em Portugal era de aproximadamente 58,48 anos[2].
  2. Em 2024, a esperança média de vida ao nascer em Portugal foi estimada em 82,55 anos[3].
  3. Uma pessoa nascida em 1953 tem 72 anos em 2025. Com base na esperança média de vida atual, podemos estimar que essa pessoa ainda tem cerca de 10,55 anos de vida remanescente (82,55 – 72).

Além disso, para quem nasceu em Portugal em 1950 (74 anos em 2024), houve um ganho de aproximadamente 24,07 anos de vida ao longo de aproximadamente 74 anos, o que demonstra claramente o progresso contínuo na qualidade de vida e na saúde pública.

Desafios e implicações do conceito de «idoso»

Consideramos que a abordagem de utilizar a idade remanescente para repensar o conceito de «idoso» é válida e inovadora. Ela permite uma compreensão mais precisa e personalizada do envelhecimento, considerando as variações individuais e culturais. Além disso, ao utilizarmos termos como “pessoas mais velhas”, promove-se uma visão mais respeitadora e inclusiva do envelhecimento. Esta abordagem pode contribuir para políticas públicas mais eficazes e uma melhor qualidade de vida para a população mais velha.

Viver mais tempo, com qualidade de vida

Todavia, viver durante mais tempo, envelhecer com qualidade, coloca diversos desafios sociais, nomeadamente: maior vida ativa – trabalhar até mais tarde, o que permitirá assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões; vencer barreiras nas atitudes em relação às pessoas mais velhas no trabalho; introduzir mudanças nas condições de trabalho para acompanhar as pessoas no seu processo de envelhecimento; criar estímulos e aprendizagens ao longo da vida (ativa e não só), fundamental em termos cognitivos e por isso a contemplar nas políticas de envelhecimento; melhorar as habitações, integrando tecnologia para serem mais seguras e adaptáveis; promover uma política de habitação que tenha em conta e inclua a comunidade, promovendo a coesão social nas áreas residenciais e garantindo acessibilidade a serviços; melhorar a conectividade: mobilidade e transportes (muitos diferentes entre as áreas rurais e urbanas); ter em atenção a “geografia do envelhecimento” porque há profundas diferenças inter-regionais.

A intervenção da medicina antienvelhecimento

É evidente que ao longo da vida vão ocorrendo alterações biológicas, psicológicas e sociais que afetam o processo de envelhecimento e a forma como é individualmente encarado. Por isso, apesar de se dever considerar que estas alterações “fazem parte da vida”, de um “novo ciclo de vida”, há uma questão pouco equacionada: o que se pode remodelar no «novo ciclo»?

Estamos em crer que há várias possibilidades de contribuir para a «remodelação/ reparação», controlando o processo ou dando-lhe uma nova configuração, mantendo uma vida ativa em termos intelectuais, físicos e sexuais, corrigindo para o efeito o perfil hormonal através de adequada suplementação e monitorização.

Esta opção, a necessitar do apoio da «medicina antienvelhecimento»[4], enquanto especialidade preocupada em estudar os sintomas normais do envelhecimento, avaliados com exames físicos e análises específicas, ainda não é de carácter universal, porque: i) é cara; ii) necessita de uma educação das pessoas para um novo equacionar do processo de envelhecimento (o gerontólogo pode ter um papel determinante); iii) necessita de mais médicos a promoverem o antienvelhecimento[5] (o desequilíbrio entre a oferta e a procura permite ainda preços elevados); iv) necessita de uma maior comparticipação nos exames e análises, porque em termos de perfil hormonal a comparticipação é quase inexistente e as análises têm um preço elevado, o que demonstra que a saúde pública está mais interessada na doença do que na sua prevenção.

Um novo paradigma da longevidade

Para quem se preocupa com um novo «paradigma da longevidade», como uma conquista que entronca na problemática do controlo da mortalidade (qual a idade para não morrer?), que de certa forma acomoda o conceito de «envelhecimento ativo», acreditamos que a medicina antienvelhecimento possa ter um papel determinante no nosso futuro.

Por exemplo, na Clínica do Poder[6], que conhecemos, é possível perceber no seu site que se propõe otimizar eficazmente: i) O sistema imunitário e as defesas do organismo; ii) Os processos cerebrais, melhorando a memória e conservando as funções cognitivas e de orientação; iii) A perda de peso, remodelando o seu corpo, reduzindo a massa gorda e otimizando a sua Força Física; iv) A Energia Sexual, permitindo uma sexualidade mais gratificante e intensa; v) Os níveis hormonais, facultando um sono reparador; vi) A reversão do envelhecimento celular; vii) O retrocesso de várias manifestações do envelhecimento.

A sociedade longeva como meta de futuro

As preocupações com a longevidade e a vida eterna fazem parte da história da humanidade e, ainda hoje, se romanceia sobre a “sociedade longeva”[7]. Mas se o “mundo moderno” possibilita aos seres humanos uma maior sobrevivência no tempo, devido às melhores condições globais de saúde, não garante melhores condições sociais de vida na velhice, principalmente em países de economia mais débil e periférica, pelo que é urgente refletir sobre o envelhecimento, a sua condição geográfica e adequadas políticas públicas.

Muitas destas preocupações não são novas em termos da epistemologia da Gerontologia, nem tão pouco facilmente incorporadas, sobretudo se inovadoras, como sucedeu, aliás, com Élie Metchnikoff e Ignatz Nascher, na primeira década do século XX. Já os referimos em a “Gerontologia como Campo do Conhecimento Científico”.

A Gerontologia como Campo do Conhecimento Científico ►

É necessário mudar a lente de observação do envelhecimento

No nosso Estudo de Avaliação Multidimensional do Envelhecimento Ativo e Saudável[8] já alertámos para a necessidade de se mudar a lente de observação do envelhecimento, muito centrada em debilidades e no cuidado, também o que alimenta o funcionamento de muitas entidades dedicadas ao negócio do envelhecimento, públicas e privadas.

Efetivamente, na sua abordagem precursora, o psicólogo americano Granville Stanley Hall (1846-1924) tentou comprovar no seu livro Senescense: the last half of life (1922), considerado o primeiro estudo sobre a velhice numa perspetiva psicológica, que as pessoas mais velhas eram detentoras de recursos até então ignorados e que “não voltam a ser adolescentes, não são iguais entre si, nem se tornam necessariamente comprometidos do ponto de vista intelectual[9]. Já passou um século e ainda há quem pense o contrário!

Todavia, Papaléo NETTO (2006: 4)[10] alerta que a manutenção da vida saudável das pessoas mais velhas, apesar de ser um dever da sociedade, não é politicamente encarada como um investimento de futuro, a que acresce o facto de se estar perante “um grupo etário politicamente ainda muito frágil”, o que dificulta as suas reivindicações mais elementares, razão pela qual trabalhamos o empoderamento das pessoas mais velhas.

É possível? Claro que sim!

Desde que haja disponibilidade para trabalhar com elas, para as ouvir, para as envolver nas políticas gerontológicas locais, não apenas como consumidoras, mas também como promotoras.

As redes sociais no combate ao stress

Igualmente fundamental para o envelhecimento activo é a associação entre as redes sociais e a saúde, tanto mais que há comprovação empírica de que as redes sociais contribuem para “minorar as consequências negativas do stress” (PÁUL)[11], quer as redes familiares quer as de amigos, que têm diferentes configurações, consoante se fale em territórios rurais (maiores redes, sobretudo de vizinhos e confidentes) quer urbanos. Claro que a desinformação que cruza agora as redes sociais até pode ter um efeito contrário mas, efetivamente, qualquer pessoa se pode desamigar.

Em relação há rede de amigos relevam-se novas alternativas de cooperação e participação, novas oportunidades para um envelhecimento activo sustentado, como o «cohousing» e as «aldeias de bem-estar».

Envelhecer com os amigos: a habitação colaborativa

O «cohousing», modelo habitacional criado na Dinamarca[12], tem vindo desde a década de 80 do século XX a ganhar adeptos noutros países. Na prática é uma opção pessoal de envelhecer ativamente na companhia de amigos, partilhando as decisões da vida em comum.

É uma espécie de «vila privada» em que cada morador ou casal tem a sua casa e conta com espaços comuns para convivência, lazer, etc.

Segundo o Centro Internacional sobre Envelhecimento – CENIE[13], para as pessoas mais velhas que desejam envelhecer num ambiente comunitário de apoio, a «habitação colaborativa» é uma boa alternativa às opções tradicionais, porque as pessoas confiam umas nas outras para ajudar quando necessário, o que proporciona um compromisso social muito importante[14], estimulando por isso o sentimento de ‘comunidade’, ‘vizinhança’ e ajuda mútua.

TCC COHOUSING SÊNIOR – COMUNIDADE PARA IDOSOS INDEPENDENTES

Dar nova vida a territórios envelhecidos

As “Aldeias de Bem-Estar são um outro exemplo interessante que, em termos de desenvolvimento dos territórios de baixa densidade, permite pensar na construção de territórios de bem-estar e de coesão, através de investimento público, privado ou misto que promova o aproveitamento do edificado devoluto para a instalação de pessoas mais velhas com poder de compra que se queiram fixar, ancorando o projeto num modelo que incorpore “unidades centrais de apoio, onde são servidas as refeições, se prestam cuidados e assistência médica (cuidados paliativos, serviços geriátricos, equipas no domínio da gerontologia 24 por dia, existência de médicos e enfermeiros sempre disponíveis,…)”[15].

Bibliografia

[1] World Health Organization (2002). Active Ageing. A Policy Framework. Second United Nations World Assembly on Ageing, Madrid, Spain, April 2002. Acedido em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/67215, p.12.

[2] COELHO, Edviges; NUNES, Luís Catela (2015). «Evolução da Mortalidade em Portugal desde 1950», Revista de Estudos Demográficos, nº 55, INE-Instituto Nacional de Estatística. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_estudos&ESTUDOSest_boui=284001557&ESTUDOSmodo=2&xlang=pt

[3] https://database.earth/population/portugal/life-expectancy

[4] Um dos defensores mais mediáticos da «medicina antienvelhecimento / medicina anti-aging» em Portugal é o Prof. Dr. Manuel Pinto Coelho, com um livro de referência para o grande público: Coelho, Manuel Pinto (2016). Chegar Novo a Velho. Medicina do Futuro. Prime Books, Estoril.

[5] Numa pesquisa na web sobre “consultas de antienvelhecimento”, efetuada em 05 de fevereiro de 2019, surgiram 9 médicos e pouco mais de uma dezena de clínicas, respetivamente: Clínica do Poder do Dr. José Pereira da Silva (https://www.clinicadopoder.pt/pt), Lisboa; Clínica Doutor Pinto Coelho. Chegar Novo a Velho. http://www.doutorpintocoelho.pt/medicina-anti-aging/; Clínica Médica Drª Ivone Mirpuri, Lisboa, (https://www.draivonemirpuri.pt); Malo Clinic Medical Care, Lisboa (http://medical.maloclinics.com); Clínica Acqua Health Care da Dra Mara Fragomeni (https://www.acqua-clinic.pt); Clínica Dr. Fernando Póvoas (http://www.fernandopovoas.pt); Clínica Médica do Porto (www.clinicamedicadoporto.pt); Paula Vasconcelos, médica antienvelhecimento com consultas anti-aging em MD Clínica (Lisboa), Clínica LAB (Cascais), Clínica ARIADNE (Porto) – http://www.paulavasconcelos.com/; Clinic4You, Coimbra (https://www.clinic4you.pt).

[6] O Dr. José Pereira da Silva, a alma da Clínica do Poder, é um médico especialista em urologia, saúde sexual e anti-aging. Podemos comprovar os benefícios da sua abordagem e de que é possível corrigir, por exemplo, défices hormonais, compreendendo que nem sempre os valores considerados normais pelos laboratórios, o são na realidade quando próximos do limite inferior. https://www.clinicadopoder.pt

[7] Rachel HENG, no seu recente romance “Imortalidade”, Bertrand Editora, Lisboa, 2019, fala de uma sociedade assente num património genético de elevada selecção, que permitirá uma esperança média de vida de cerca de 300 anos.

[8] MARQUES, Raul Jorge (2022).  Estudo de Avaliação Multidimensional do Envelhecimento Ativo e Saudável. ANIMAR-Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, Lisboa. (https://www.animar-dl.pt/wp-content/uploads/2023/05/Estudo-de-Avaliacao-Multidimensional-do-Envelhecimento-Ativo-e-Saudavel.pdf

[9] GUARIENTO, Maria Elena; NERI, Anita Liberalesso; FATTORI, André; PEREIRA, Alexandre Alves (2013). «Pesquisa em Gerontologia», in FREITAS, Elizabete Viana; PY, Ligia et a. (2013). Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3ª Edição, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. Acedido em: https://ftramonmartins.files.wordpress.com/2016/09/tratado-de-geriatria-e-gerontologia-3c2aa-ed.pdf.

[10] NETTO, Matheus Papaléo (2006). «O Estudo da Velhice: Histórico, Definição do Campo e Termos Básicos». In FREITAS, E. V. et al. (Org). Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2 edição, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, pp. 2-12.

[11] PAÚL, Constança (s.d.). «Envelhecimento ativo e redes de suporte social», Textos de Apoio ao Módulo 1 da Pós-graduação em Gerontologia Social, Cognos.

[12] Quase 8% da população vive numa «co-habitação» ou nalgum outro tipo de «habitação colaborativa» – cooperativas de habitação, habitação participativa.

[13] O Centro Internacional sobre o Envelhecimento (CENIE) é a primeira iniciativa promovida pela colaboração entre a Fundación General de la Universidad de Salamanca (ES), a Fundación General del Consejo de Investigaciones Científicas (ES), Universidade do Algarve (PT) e a Direção Geral de Saúde (PT). No entanto, é importante destacar que esta iniciativa tem como antecessor o projeto Espaço Transfronteiriço sobre o Envelhecimento e a colaboração que sobre o tema do envelhecimento tem sido realizada pelos quatro parceiros nos últimos anos.

O Espaço Transfronteiriço sobre o Envelhecimento foi um projeto iniciado em 2011 e alcançou resultados significativos na análise e compreensão do envelhecimento da população e dos problemas associados ao mesmo. Este projeto foi cofinanciado pelo Programa Operacional de Cooperação Transfronteiriça, Espanha-Portugal, POCTEP, 2007-2013 e teve como parceiros a Fundación General de la Universidad de Salamanca, a Associação de Apoio e Estudos da Psicognosis na Raia Central (ASPSI) e a Associação Humanitária de Doentes de Parkinson e Alzheimer (AHDPA), além disso, participaram como sócios estratégicos, a Fundación Reina Sofía e o Centro de Referencia Estatal de Atención a Personas con Enfermedad de Alzheimer y otras Demencias, pertencentes ao IMSERSO da Espanha. https://cenie.eu/pt/antecedentes.

[14] https://cenie.eu/pt/blog/cohousing-senior-uma-alternativa-real-e-viavel.

[15] MARTINS, João Emanuel. Seminário Internacional “Aldeias Lar – Um Futuro para o interior de Portugal”, Rede Europeia Anti Pobreza (REAP), Beja, Junho de 2007.

Olá, sou Raul Jorge Marques

Geógrafo. Mestre em Geografia Humana - Desenvolvimento Regional. Curso de Sensibilização em Gestão e Inovação Organizacional da Empresa. Pós-graduado em Gerontologia Social e em Gerontologia Clínica. Consultor independente em Desenvolvimento Local/Regional, Prospetiva Estratégica Territorial e Gerontologia. Coordenador Científico do Grupo de Trabalho Envelhecimento Ativo e Desenvolvimento Local da ANIMAR.