O Eterno Tabu
Esta abordagem foi feita pela primeira vez no nosso Estudo de Avaliação Multidimensional do Envelhecimento Ativo e Saudável, realizado no âmbito do Grupo de Trabalho Envelhecimento e Desenvolvimento Local da ANIMAR e publicado em dezembro de 2022 (https://www.animar-dl.pt/wp-content/uploads/2023/05/Estudo-de-Avaliacao-Multidimensional-do-Envelhecimento-Ativo-e-Saudavel.pdf). Não nos iremos afastar significativamente, até porque é o que continuamos a defender!
A questão da sexualidade
O conceito de sexualidade sofreu profundas metamorfoses ao longo dos tempos, em conformidade com as transformações históricas e sociais que foram ocorrendo, evoluindo da visão mais biológica (relativo ao sexo propriamente dito) para uma a visão holística (bio-psico-social), como a apresentada em 2002 à OMS por um grupo de especialistas que responderam a uma consulta, apesar da sua perspetiva não ter sido oficialmente reconhecida pela OMS: “a sexualidade é um aspeto central do ser humano ao longo da vida e inclui o sexo, género, identidades e papéis, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é experienciada e expressa através de pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relações … A sexualidade é influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, económicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais” (Pontes 23-24).
Pôr alguns pontos nos is
Quando se pensa em envelhecimento, nomeadamente no domínio da sexualidade, sobretudo das pessoas mais velhas, como se fossem muito diferentes das pessoas mais novas, é necessário perceber em primeiro lugar que «senescência» não é «senilidade»!
Se a senescência se manifesta por alterações envolvidas no processo de envelhecimento decorrentes de processos fisiológicos (p. ex. cabelos brancos, rugas, …), a senilidade implica aspetos fisiopatológicos que comprometem a qualidade de vida e não são comuns a todas as pessoas, como a redução hormonal no homem e que pode implicar:
- Diminuição da líbido – há suplementos como o «tribulus terrestris» e a «maca peruana» – Lepidium meyeniique – que podem melhorar a líbido, assim como a suplementação com DHEA – desidroepiandrosterona, uma hormona que começa a diminuir a partir dos 30 anos e que interfere na produção da testosterona e do estrogénio;
- Disfunção erétil (DE) – dificuldade em obter e/ou manter uma ereção adequada ao coito satisfatório para ambos os intervenientes e que resulta de uma redução de afluxo sanguíneo e/ou drenagem venosa anormal, afetando claramente a autoestima, mas que é passível de correção após deteção das causas e também com o apoio da medicina antienvelhecimento.
O desejo não tem prazo de validade
Segundo Moura et al (2019) a “sexualidade na velhice remete a estereótipos preconceituosos e irreais, levando idosos à condição de pessoas assexuadas e, consequentemente, representando um tabu, influenciando negativamente na vida dos mesmos e induzindo uma atitude pessimista quanto ao sexo na velhice. A crença da diminuição da atividade sexual está inevitavelmente unida à incapacidade funcional estereotipada ao idoso, de forma que não se preste atenção suficiente a uma das atividades que mais contribuem para a qualidade de vida nos idosos, a sexualidade”.
Em termos concetuais, Catarina Ramos (2018: 3), citando Lochlainn & Kenny (2013), considera que “apesar da diversidade de temas, perspetivas disciplinares e paradigmas de investigação na área da sexualidade, ainda é relativamente escasso o estudo da sexualidade na população mais envelhecida”.
O professor João Gorjão Clara, cardiologista e especialista em Medicina Geriátrica, escreveu para a Revista Saúda de junho de 2016 um excelente artigo intitulado “Sexualidade sénior: o desejo não tem prazo de validade” onde dá conta de uma situação que, pela sua importância, não merece ser ignorada:
“Há alguns anos, o filho de um dos meus doentes pediu-me ajuda: o pai, na altura com quase 90 anos e institucionalizado num lar, tinha encontros amorosos com uma utente. A direção da instituição julgava este comportamento desajustado e impróprio de um velho, ameaçando que o expulsaria se não se corrigisse”.
Qual a autoridade destas instituições para decretarem a «assexualidade» dos seus clientes/ utentes?
A prática é indecorosa, ridícula, inútil, prejudicial à saúde?
Quem o determina? Onde estão as evidências?
Qual a qualificação gerontológica e/ ou geriátrica de quem o afirma?
Para este geriatra, que entendeu contribuir para desmistificar o «tabu da sexualidade», o “envelhecimento sexual do Homem começa aos 20 anos, progride no tempo, mas não se sabe em que idade se extingue …no caso das mulheres, a menopausa, por exemplo, prejudica mais a sua vida sexual sob o ponto de vista psicológico do que sob o ponto de vista hormonal…aquelas que mantêm uma vida sexual regular conservam a sua capacidade de líbido consideravelmente superior à das que a não têm”, referindo ainda um outro aspeto de extrema importância, o facto do sexo na velhice não ser perigoso e que “a vida sexual na velhice é normal e saudável”!
Sexualidade e idadismos
O «estereótipo do/a idoso/a assexuado/a» é uma aberração social de uma sociedade profundamente idadista que urge combater!
Gott e Hinchliff (2003), citados por Catarina Ramos (2018: 4), “…recolheram dados relacionados com a importância e o papel do sexo junto de indivíduos com idades compreendidas entre os 52 e os 90 anos e concluíram que o sexo continua a ser visto como uma componente importante na relação emocional na população com idade mais avançada”.
Porque há inúmeros benefícios em termos de saúde física e mental, é necessário fazer mais pesquisas para evitar juízos de valor errados e promover iniciativas com as pessoas mais e menos velhas sobre sexualidade: i) importância para o equilíbrio emocional; ii) como se pode apoiar o sistema hormonal; iii) a prática de atividade física para a manutenção da sexualidade; iv) benefícios e riscos da sexualidade; v) ser velho/a não é ser assexuado; vi) capacitação dos/as profissionais de educação e de saúde para propagarem o conhecimento.
Voltamos a defender que a prática da sexualidade nas pessoas mais velhas deve fazer parte dos Planos Gerontológicos Locais, até porque é um tema que “…vai muito além do ato sexual propriamente dito, diversos fatores são expostos pelos idosos como formas de expressar carinho e manter vínculos” (Monteiro et al, 2021: 14701).
Claro que é necessário trabalhar o à-vontade das pessoas, mais e menos velhas, para falarem nestas questões porque, efetivamente, somos uma sociedade em que o sexo é um tabu e mal, muito por falta de uma educação sexual que comece na Escola, porque há quem acredite, falsamente, que é assumida pela família!
Bibliografia
– MONTEIRO, Maria Heloyse L. et al (2021). «A sexualidade de idosos em meio aos riscos e tabus: uma revisão de literatura». Brazilian Journal of Health Review
– MOURA, Miriene N.; SILVA, Cláudia F. T.; SANTOS, Flávia F. (2019). A Sexualidade na Terceira Idade: o tabu que envolve os idosos. 22º Semana de Mobilização Científica – SEMOC, Universidade Católica do Salvador – UCSAL
– PONTES, Ângela Felgueiras (2011). Sexualidade: Vamos conversar sobre isso? Promoção do Desenvolvimento Psicossexual na Adolescência: Implementação e Avaliação de um Programa de Intervenção em Meio Escolar. Dissertação de Candidatura ao grau de Doutor em Ciências de Saúde Mental, submetida ao Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto.
– RAMOS, C. I. C. F. (2018). Saúde Sexual e Envelhecimento: O papel dos fatores psicológicos e crenças sexuais. Dissertação (Mestrado Integrado de Psicologia) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação – Universidade do Porto
– Clínica do Poder – Dr. José Pereira da Silva. https://www.clinicadopoder.pt/disfuncao-eretil/