Envelhecimento e saúde

Distúrbios Nutricionais nas Pessoas Mais Velhas

Alterações fisiológicas no envelhecimento

Nas pessoas mais velhas, os distúrbios nutricionais estão frequentemente relacionados com alterações fisiológicas do envelhecimento. Por exemplo, mudanças na perceção sensorial, na capacidade mastigatória e no funcionamento do aparelho digestivo. Além disso, o edentulismo, as alterações na mastigação e a disfagia têm necessariamente impactos na nutrição.

Fatores sociais e psicológicos

No entanto, há outros fatores que contribuem para a desnutrição das pessoas mais velhas. Por um lado, condições sociais, como pobreza e isolamento, conflitos bélicos, fenómenos atmosféricos graves, podem limitar o acesso a alimentos saudáveis. Por outro, alterações psicológicas, como a baixa autoestima, demência, depressão)[1], perda da capacidade funcional e da autonomia (artrite reumatoide), afetam a vontade de se alimentar adequadamente. Adicionalmente, doenças crónicas, polimedicação[2] (diminuição da absorção intestinal por tranquilizantes e psicofármacos; desidratação e depleção de eletrólitos por diuréticos e laxantes; alteração da microbiota intestinal por antibióticos; predisposição a gastrites e úlceras por analgésicos), síndrome da má absorção, imagem corporal distorcida (não valorização do sobrepeso conduzindo à obesidade ou valorização excessiva ocasionando anorexia), influenciam negativamente a absorção de nutrientes.

Consequências clínicas dos distúrbios nutricionais

Se ao processo de envelhecimento estão inerentes alterações fisiológicas ainda consideradas normais e mais ou menos não evitáveis, quando associadas a sedentarismo e a más práticas alimentares, como a ingestão excessiva de calorias, originam um mix facilitador da acumulação de gordura no tecido visceral adiposo com a concomitante obesidade abdominal, alterações por sua vez ligadas à resistência à insulina, hiperinsulinemia, inflamação sistémica, hipertensão, dislipidemia e outras alterações metabólicas e hormonais, responsáveis por diabetes tipo 2, enfarte, doença isquémica cardíaca e cancro (SILVA, 2013: 34).

Não há dúvida de que o sujeito, se não nasceu com condicionalismos de saúde, pode monitorizar e promover o seu envelhecimento saudável, a que não será despiciendo a perda de peso, mas também o consumo moderado de álcool e o deixar de fumar, associados à prática de exercício físico e a uma alimentação rica em nutrientes essenciais (p. ex. dieta mediterrânica[3]), acompanhada de uma suplementação devidamente suportada em análises laboratoriais.

Prevenção e monitorização da saúde nutricional

Na relação «causas-consequências clínicas» dos distúrbios nutricionais destaca-se:

Alterações no sistema sensorial

Se a distorção ou diminuição do paladar (disgeusia) e a redução da sensibilidade olfativa (hispomia) influencia a perda de vontade da pessoa mais velha em alimentar-se, têm também como consequência preocupante a perda de competência para a “a correta seleção do alimento saudável, aumentando os riscos de envenenamento alimentar, ingestão de alimentos deteriorados por microrganismos ou exposição a substâncias químicas tóxicas do ambiente” (PEREIRA: 2006: 161)[4]. Também as perdas de audição e de visão condicionam a pessoa mais velha no reconhecimento e escolha dos alimentos, bem como na sua posterior confeção.

Anorexia nervosa

Distúrbio alimentar caracterizado pela redução ou perda de apetite e de diagnóstico multifatorial (existência ou não de depressão; a viver só ou acompanhado; mobilidade preservada ou dependente). Entre os facilitadores de anorexia está uma distorção da imagem corporal, vendo-se o paciente com excesso de peso apesar do seu avançado estado de magreza.

Desnutrição

Distúrbio nutricional com elevada prevalência nas pessoas mais velhas[5], uma deficiência de calorias de um ou mais nutrientes essenciais, normalmente diagnosticável com base na aparência (altura, peso, pele, cabelo), porque as pessoas ficam com peso abaixo do normal, ossos salientes, pele seca e sem elasticidade, cabelos secos e que caem facilmente. A desnutrição e o baixo peso são responsáveis pelo “maior risco de infeções, baixa capacidade de cicatrização, menor resposta às terapêuticas cirúrgicas e medicamentosas, maior tempo e custo de hospitalização, prejuízo para a capacidade funcional” (COGNOS, 2019: 19). De acordo com a nutricionista Teresa Amaral, “desnutrição é diferente de má nutrição[6], apesar de haver quem use os termos como sinónimo, porque esta última significa um desequilíbrio alimentar que poderá derivar para obesidade. Por isso, esta docente da Universidade do Porto chama à colação o «efeito bola de neve» que lhe está associado: “a desnutrição aumenta a expressão da doença que por si só é uma causa de doença”.

Disfagia

Ocorre a partir de uma anormalidade no processo de deglutição que já vem da mastigação deficiente, muitas vezes em resultado da falta de dentes ou de próteses deficientes e desajustadas. Por isso, quando não tratada, pode originar desnutrição, desidratação e infeções respiratórias. No entanto, a adequação da consistência dos alimentos, a postura ereta e o comer devagar podem reduzir os transtornos da «deglutição/ mastigação deficiente».

Hipocloridria

A não produção de ácido clorídrico no estômago (acidez gástrica com pH 3-5) vai condicionar um processo digestivo saudável, dificultar a digestão de proteínas e a absorção de ferro, zinco, ácido fólico e vitamina B12, não protegendo o organismo de bactérias como a Helicobacter Pylori, associada à gastrite na pessoa mais velha.

Sobrepeso e obesidade

Distúrbios associados a morte prematura, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistémica, dislipidemias, osteoartrites, doenças cardiovasculares, cancro e prejuízo da capacidade funcional. Estes distúrbios condicionam ainda a aptidão física, com reflexo na menor mobilidade e no menor equilíbrio do idoso.[7]

Xerostomia (boca seca)

Pode igualmente afetar a capacidade de mastigação e deglutição dos alimentos, para além de facilitar o aparecimento de cáries, porque a saliva neutraliza os ácidos bacterianos sendo por isso cariostática (PEREIRA, 2006: 162)[8]. Para evitar a sensação de boca seca é necessário manter as pessoas mais velhas bem hidratadas e em alguns casos adicionar à dieta alimentos mais líquidos. Em situações especiais (não conseguir comer o suficiente para as necessidades nutricionais; não conseguir deglutir; o trato digestivo não conseguir absorver os nutrientes) poderá ser necessária a alimentação por sonda nasogástrica (nutrição enteral) ou alimentação intravenosa (nutrição parental).

Alterações Fisiológicas do Envelhecimento e Alimentação ►

Conclusão

O impacto dos distúrbios nutricionais no envelhecimento pode ser significativo. Assim, adotar estratégias de monitorização e intervenção contribui para uma melhor qualidade de vida das pessoas mais velhas. Dessa forma, garantir acesso à informação e incentivar a adoção de hábitos saudáveis torna-se um compromisso social fundamental.

Bibliografia


[1] Num artigo de revisão da literatura para avaliação de evidências científicas relativas à desnutrição, os “resultados mostraram que os fatores psicológicos (depressão e demência) e funcionais (dependência) foram os principais aspetos relacionados à denutrição”, in SILVA, Julina L.; MARQUES, Ana Paula O.; LEAL, Márcia C. C.; ALENCAR, Danielle L.; MELO, Elisa M. A. (2015). «Fatores Associados à Desnutrição em Idosos Institucionalizados», pág. 443, http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v18n2/1809-9823-rbgg-18-02-00443.pdf

[2] A polimedicação ou polifarmácia determina um maior risco entre drogas e nutrientes com diferentes consequências: “aumento da proporção de tecido adiposo; redução da massa corporal magra; diminuição da massa celular hepática; diminuição do fluxo sanguíneo; comprometimento da função renal”, in Manual do Formando. Módulo V. Nutrição Geriátrica, p. 20.

[3] Rica em MUFA (Monoinsaturated fatty acids ou ácidos gordos monoinsaturados) e PUFA (Polyinsaturated fatty acids ou ácidos gordos polinsaturados), a DM (dieta mediterrânica) tem-se revelado de extrema importância para a minimização dos riscos cardiovasculares (diminuição dos níveis de glicose plasmática, índice colesterol/HDL, pressão sistólica e proteína C reativa), tendo ainda impacto no metabolismo ósseo e na artrite reumatoide (redução de dores nas articulações e aumento da força muscular), na prevenção de doenças neurodegenerativas (diminuição do risco de Alzheimer e Parkinson) e no cancro (diminuição do risco devido aos oxidantes presentes no peixe, fruta, hortaliças, azeite e grãos integrais), SILVA, 2013: 36-37).

[4] Idem

[5]Aproximadamente um em cada sete idosos que vivem nas suas próprias casas e quase metade dos idosos residentes em lares de terceira idade apresentam desnutrição…[porque]   consomem menos de 1.000 calorias por dia”, in Manual MSD. Versão Saúde para a Família. https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa/distúrbios-nutricionais/desnutrição/desnutrição. SILVA et al., op. cit, p. 444, consultaram para o seu artigo informação de diferentes países (Alemanha, França, Espanha, Brasil, Canadá, Egito, Taiwan), tendo concluído que os valores de idosos desnutridos “oscilam de 15% a 60%, dependendo do local onde o idoso vive – em casa, asilo ou hospital – e da técnica para o diagnóstico de desnutrição”.

[6] No vídeo de apoio à Formação, “Desnutrição do Idoso”, a Profª Drª Teresa Amaral, Nutricionista, Presidente do Grupo de Estudo da Desnutrição e docente da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, refere para o caso português que “1 em cada 10 idosos na comunidade, 1 em cada 5 idosos nos Centros de Dia e nos Lares e 1 em cada 3 idosos nos Hospitais apresentam claramente desnutrição. Estes números podem ser maiores se atendermos às situações não visíveis”. Quanto às situações de «má nutrição» estima-se que existam na União Europeia 30 milhões de pessoas.

[7] A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica o excesso de peso baseando-se no índice de massa corporal (IMC). O cálculo é feito dividindo o peso (em quilogramas) pela altura (em metros) ao quadrado. Esta fórmula possibilita diagnosticar se uma pessoa tem um peso normal (IMC de 20 a 25), se está com sobrepeso ou excesso de peso (IMC de 25 a 30) ou ainda, se está obesa (IMC superior a 30). http://www.blog.saude.gov.br/promocao-da-saude/32119-prevencao-e-tratamento-saiba-como-diferenciar-sobrepeso-e-obesidade

[8] PEREIRA, Renata J.; COTTA, Rosângela M. M.; FRANCESCHINI, Sylvia C. C. (2006). «Fatores Associados ao Estado Nutricional no Envelhecimento». Revista Médica de Minas Gerais (RMMG) 16(3): 160-164, Associação Médica de Minas Gerais, faculdade de Medicina, Belo Horizonte. Disponível em: http://www.rmmg.org/Sumario/28

Olá, sou Raul Jorge Marques

Geógrafo. Mestre em Geografia Humana - Desenvolvimento Regional. Curso de Sensibilização em Gestão e Inovação Organizacional da Empresa. Pós-graduado em Gerontologia Social e em Gerontologia Clínica. Consultor independente em Desenvolvimento Local/Regional, Prospetiva Estratégica Territorial e Gerontologia. Coordenador Científico do Grupo de Trabalho Envelhecimento Ativo e Desenvolvimento Local da ANIMAR.