Envelhecimento e saúde

Saúde, Autonomia e Independência: importância da nutrição

Introdução

O conceito de saúde tem evoluído ao longo do tempo, dependendo da época, do lugar, da classe social, dos valores individuais e coletivos, de conceções científicas, religiosas e filosóficas, refletindo a conjuntura social, económica, política e cultural.

Saúde: da conceção sobrenatural à ciência

Inicialmente de conceção teológica, quando o homem ainda atribuía o processo saúde/ doença à punição ou à recompensa de entidades sobrenaturais, evoluiu para um conceito físico/ natural, em que a saúde/ doença passou a ter o seu foco no corpo.

Hipócrates (460 a.C. a 370 a.C.) afasta a causalidade divina e explica o «binómio saúde/ doença» “a partir do desequilíbrio entre as forças da natureza que estão dentro e fora da pessoa” (MARTINS, 2005: 3)[1]. Galeno (129 – 199 ou 217) considera a saúde uma resultante do “equilíbrio entre as partes primárias do corpo” (BACKES, et al. 2009: 112)[2].

O conceito «saúde/ doença» é posto pela primeira vez em causa no século XVII pela Teoria Miasmática/ Teoria dos Miasmas que estabelece a ligação «saúde/ doença/ meio ambiente»[3].

Os determinantes da saúde no século XX

A partir de meados do século XX ocorrem várias alterações no conceito de saúde. Aos determinantes fisiológicos e anatómicos juntam-se, como causadores de doença, logo de má saúde, os socioeconómicos, os culturais e os ecológicos.

Todavia, a primeira grande alteração conceptual foi introduzida em 1947 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ao definir a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, introduzindo na saúde o conceito de «bem-estar», sustentado numa visão do ser humano «bio-psico-social», que na altura se alargava a outros domínios da vida coletiva.

Nos anos 60 surgiu nos EUA uma variante do paradigma epidemiológico, o lifestyle-risk factor (MARTINS, 2005:44), que chamou à colação os comportamentos individuais ou estilos de vida, responsáveis por diferentes riscos para a saúde (p. ex. tabagismo, sedentarismo, álcool em excesso, maus hábitos alimentares) e pelo desenvolvimento de doenças crónicas (p. ex. cancro do pulmão, diabetes, doenças cardiovasculares).

Em 1974 o Relatório Lalonde[4] dá sequência à perspetiva da OMS ao introduzir a visão de «campo da saúde» (health field) centrado em quatro determinantes, respetivamente, “biologia humana, meio ambiente, estilo de vida e assistência à saúde [5], até que em 1986 a Carta de Ottawa para a Promoção da Saúde[6]estabelece uma relação de causalidade entre «saúde – promoção», considerando a promoção um «recurso para a vida» e não uma «finalidade», que visa aumentar a capacidade dos indivíduos e das comunidades para controlarem a sua saúde, no sentido de a melhorarem. Simultaneamente, enumeram-se pré-requisitos para a saúde: “paz, abrigo, educação, alimentação, recursos económicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade [7].

Interpretação teológico-sobrenatural de saúde, saúde como ausência de doença, saúde com «bom» estilo de vida, saúde como responsabilidade individual e social, o atual conceito de saúde tem um percurso de muitos séculos podendo, em síntese, ser considerado atualmente como um recurso partilhado entre o individuo e a sociedade, um inegável suporte de bem-estar e de qualidade de vida, muito centrado em competências de saúde, individuais e coletivas, responsáveis pelo equilíbrio da tríade «estilo de vida – ambiente – cuidados recebidos», que no caso das pessoas mais velhas se associa ainda à autonomia e à independência que têm de ser estimuladas e garantidas.

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Nutrição geriátrica e qualidade de vida

Para além dos determinantes do bom envelhecimento e da boa saúde, já referidos no nosso artigo “Como envelhecer de forma saudável?”, a Nutrição Geriátrica é igualmente fundamental para garantir que a pessoa mais velha não cai num estado nutricional inadequado, promotor de incapacidade física e de baixa qualidade de vida, com maior evidência em situações de vulnerabilidade social, isolamento e pobreza.

Segundo o E-book da Associação Portuguesa de Nutricionistas, “Alimentação no Ciclo de Vida. Alimentação na pessoa idosa” (2013)[8], há quatro grandes grupos de fatores que condicionam o estado nutricional das pessoas mais velhas:

  • Fatores ambientais – Habitação inadequada, falta de meios e condições para confecionar refeições, dificuldade de acesso à aquisição/preparação dos géneros alimentícios, falta de apoio de serviços comunitários;
  • Fatores neuropsicológicos – Doenças neurológicas (Parkinson, Alzheimer, outras demências…), diminuição das capacidades cognitivas, depressão, alterações do estado emocional;
  • Fatores fisiológicos – Saúde oral, acuidade sensorial, inatividade/imobilidade, perda de massa muscular, aumento da massa gorda, diminuição da densidade óssea, diminuição da função imunitária, diminuição do ph gástrico;
  • Fatores socioeconómicos e culturais – Baixo nível de educação, marginalização, baixos rendimentos, pobreza, acesso limitado a cuidados médicos, falta de conhecimentos alimentares/nutricionais, crenças e mitos, institucionalização, elevados gastos de saúde.

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Bibliografia

[1] MARTINS, Maria do Céu Antunes (2005). «A Promoção da saúde: percursos e paradigma». Revista de Saúde Amato Lusitano. ISBN 0873-5441. A. IX, nº 22 (4º trimestre 2005), p. 42-46. ULS – Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, EPE. https://repositorio.ipcb.pt/handle/10400.11/93

[2] BACKES, Marli T. S.; ROSA, Luciana M.; FERNANDES, Gisele C. M.; BECKER, Sandra G.; MEIRELLES, Betina H. S.; SANTOS, Sílvia, M. A. (2009). «Conceitos de Saúde e Doença ao Longo da História sob o Olhar Epidemiológico e Antropológico». Revista Enfermagem UERJ, Faculdade de Enfermagem da UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan./mar; 17(1):111-7. http://www.facenf.uerj.br/v17n1/v17n1a21.pdf

[3] Teoria biológica formulada por Thomas Sydenham e Giovanni Maria Lancisi, segundo a qual “as doenças teriam origem nos miasmas: o conjunto de odores fétidos provenientes de matéria orgânica em putrefação nos solos e lençóis freáticos contaminados”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_miasmática

[4] LALONDE, Marc (1974). A new perspective on the health of Canadian. Minister of Supply and Services Canada, Ottawa. https://www.webcitation.org/5gbib2ON9?url=http://www.hc-sc.gc.ca/hcs-sss/alt_formats/hpb-dgps/pdf/pubs/1974-lalonde/lalonde-eng.pdf. Marc Lalonde era então titular do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá

[5] Biologia humana: herança genética e processos biológicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhecimento. Meio ambiente: solo, água, ar, moradia, local de trabalho. Estilo de vida: do qual resultam decisões que afetam a saúde (fumar ou deixar de fumar, beber ou não, praticar ou não exercícios). Assistência à saúde: assistência médica, serviços ambulatórios e hospitalares, medicamentos (as primeiras coisas em que ainda hoje muitas pessoas pensam quando se fala em saúde). Também, tão ou mais importante, acesso a água potável e a alimentos saudáveis.

[6] 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde Ottawa, Canadá, 17-21 novembro de 1986. https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/carta-de-otawa-pdf1.aspx

[7] World Health Organization (1986). The Ottawa Charter for Health Promotion. First International Conference on Health Promotion, Ottawa, 21 November 1986. https://www.who.int/healthpromotion/conferences/previous/ottawa/en/

[8] Associação Portuguesa de Nutricionistas – APN (2013). Alimentação no Ciclo de Vida. Alimentação na pessoa idosa. Associação Portuguesa de Nutricionistas – APN, https://www.apn.org.pt/documentos/ebooks/Ebook_Alimentacao_Ciclo_de_Vida_Idoso.pdf

Olá, sou Raul Jorge Marques

Geógrafo. Mestre em Geografia Humana - Desenvolvimento Regional. Curso de Sensibilização em Gestão e Inovação Organizacional da Empresa. Pós-graduado em Gerontologia Social e em Gerontologia Clínica. Consultor independente em Desenvolvimento Local/Regional, Prospetiva Estratégica Territorial e Gerontologia. Coordenador Científico do Grupo de Trabalho Envelhecimento Ativo e Desenvolvimento Local da ANIMAR.