Introdução
Este artigo resulta do meu Estudo de Avaliação Multidimensional do Envelhecimento Ativo e Saudável, publicado em 2022 pela ANIMAR[1]. Por essa razão, volto à temática, pois a sua importância merece ser reforçada.

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Evolução do conceito de sexualidade
O conceito de sexualidade sofreu profundas metamorfoses ao longo dos tempos, à medida que as transformações históricas e sociais foram ocorrendo. Inicialmente, tinha uma visão mais biológica, enquanto hoje adota uma abordagem holística, englobando fatores bio-psico-sociais. Além disso, um grupo de especialistas apresentou em 2002 à OMS, em resposta a uma consulta, a seguinte visão: “a sexualidade é um aspeto central do ser humano ao longo da vida e inclui o sexo, género, identidades e papéis, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é experienciada e expressa através de pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relações … A sexualidade é influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, económicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais” (Pontes 23-24) [2].
Perda de interesse no sexo: um tabu social
No estudo acima referido, a variável «perda de interesse no sexo» foi a que recolheu menos respostas. Isso pode indicar tanto uma falta de à-vontade para falar sobre o tema quanto um receio dos/as inquiridores/as em abordar a questão.
De facto, vivemos numa sociedade em que o sexo é um tabu, sobretudo porque falta uma educação sexual que comece na Escola, porque há quem acredite, falsamente, que é assumida pela família.
Senescência vs. Senilidade
Quando se pensa em envelhecimento, nomeadamente no domínio da sexualidade, sobretudo das pessoas mais velhas, é necessário perceber em primeiro lugar que «senescência» não é «senilidade»! Se a senescência se manifesta por alterações envolvidas no processo de envelhecimento decorrentes de processos fisiológicos (por exemplo, cabelos brancos, rugas, …), a senilidade implica aspetos fisiopatológicos que comprometem a qualidade de vida e não são comuns a todas as pessoas, como a redução hormonal no homem que pode implicar diminuição da líbido[3] e disfunção erétil (DE) [4], afetando claramente a sua autoestima, mas que é passível de correção após deteção das causas e também com o apoio da medicina antienvelhecimento[5].
Sexualidade na velhice: estereótipos e realidade
Segundo Moura et al (2019)[6], a “sexualidade na velhice remete a estereótipos preconceituosos e irreais, levando idosos à condição de pessoas assexuadas e, consequentemente, representando um tabu, influenciando negativamente na vida dos mesmos e induzindo uma atitude pessimista quanto ao sexo na velhice. A crença da diminuição da atividade sexual está inevitavelmente unida à incapacidade funcional estereotipada ao idoso, de forma que não se preste atenção suficiente a uma das atividades que mais contribuem para a qualidade de vida nos idosos, a sexualidade”.
Importância da sexualidade na vida das pessoas mais velhas
Falar sobre sexualidade no envelhecimento implica, só por si, mais do que um artigo, pelo que seremos parcimoniosos nesta primeira abordagem que consideramos de extrema importância na vida de todas as pessoas, mais e menos velhas!
Em termos concetuais, Catarina Ramos (2018: 3)[7], citando Lochlainn & Kenny (2013), considera que “apesar da diversidade de temas, perspetivas disciplinares e paradigmas de investigação na área da sexualidade, ainda é relativamente escasso o estudo da sexualidade na população mais envelhecida”.
Casos reais: sexualidade nas pessoas mais velhas
O professor João Gorjão Clara, cardiologista e especialista em Medicina Geriátrica[8], escreveu para a Revista Saúda de junho de 2016[9] um excelente artigo intitulado “Sexualidade sénior: o desejo não tem prazo de validade” onde dá conta de uma situação que, pela sua importância, não merece ser ignorada:
“Há alguns anos, o filho de um dos meus doentes pediu-me ajuda: o pai, na altura com quase 90 anos e institucionalizado num lar, tinha encontros amorosos com uma utente. A direção da instituição julgava este comportamento desajustado e impróprio de um velho, ameaçando que o expulsaria se não se corrigisse”.
Autoridade das instituições sobre a sexualidade
- Qual a autoridade destas instituições para decretarem a «assexualidade» dos seus clientes/ utentes?
- A prática é indecorosa, ridícula, inútil, prejudicial à saúde?
- Quem o determina?
- Onde estão as evidências?
- Qual a qualificação gerontológica e/ ou geriátrica de quem o afirma?
Gorjão Clara dá ainda um outro exemplo bem revelador de como as abordagens à sexualidade se alteraram no tempo, independentemente da qualidade dos pensadores: “o dr. Sousa Martins[10] considerava-a mesmo anormal e imprópria, como se pode ler nas sebentas das suas aulas na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa”!
Sousa Martins, médico e santo… laico – RTP Ensina
Envelhecimento sexual: factos e mitos
Para este geriatra, que entendeu contribuir para desmistificar o «tabu da sexualidade», o “envelhecimento sexual do Homem começa aos 20 anos, progride no tempo, mas não se sabe em que idade se extingue …no caso das mulheres, a menopausa, por exemplo, prejudica mais a sua vida sexual sob o ponto de vista psicológico do que sob o ponto de vista hormonal… aquelas que mantêm uma vida sexual regular conservam a sua capacidade de líbido consideravelmente superior à das que a não têm”, referindo ainda um outro aspeto de extrema importância, o facto do sexo nas pessoas mais velhas não ser perigoso e que “a vida sexual na velhice é normal e saudável”!
Combate ao estereótipo da assexualidade
O «estereótipo da pessoa mais velha assexuado» é uma aberração social de uma sociedade profundamente idadista que urge combater. Gott e Hinchliff (2003), citados por Catarina Ramos (2018: 4), “…recolheram dados relacionados com a importância e o papel do sexo junto de indivíduos com idades compreendidas entre os 52 e os 90 anos e concluíram que o sexo continua a ser visto como uma componente importante na relação emocional na população com idade mais avançada”.
Benefícios da sexualidade na velhice
Porque há inúmeros benefícios em termos de saúde física e mental na prática da sexualidade, também é necessário fazer mais pesquisas para evitar juízos de valor errados e promover iniciativas com as pessoas mais e menos velhas sobre esta temática: i) importância para o equilíbrio emocional; ii) como se pode apoiar o sistema hormonal; iii) a prática de atividade física para a manutenção da sexualidade; iv) benefícios e riscos da sexualidade; v) ser velho/a não é ser assexuado; vi) capacitação dos/as profissionais de educação e de saúde para propagarem o conhecimento.
Planos Gerontológicos Locais e sexualidade
A prática da sexualidade nas pessoas mais velhas deve fazer parte dos Planos Gerontológicos Locais, até porque é um tema que “…vai muito além do ato sexual propriamente dito, diversos fatores são expostos pelos idosos como formas de expressar carinho e manter vínculos” (Monteiro et al, 2021: 14701)[11].
Plano Gerontológico Local: Inclusão e Bem-Estar ►
Alterações no interesse por sexo
A análise do quadro abaixo (Marques, 2022: 65) permite perceber que só um reduzido número de pessoas inquiridas (15,7%) reconhece que «não notaram nenhuma alteração recente no seu interesse por sexo» (22,9% de homens e 13,3% de mulheres). As pessoas que consideram «estar menos ou muito menos interessadas no sexo) correspondem a 36,3%, mais os homens (53,0%) de que as mulheres (31,4%). 48,1% «perderam completamente o interesse no sexo» (24,1% de homens e 55,2% de mulheres)[12].
Idade e interesse por sexo
A idade surge como uma variável mais discriminante neste domínio, sobretudo a partir dos 75 anos, em que a «perda completa de interesse no sexo» varia entre os 53,6% (75-79 anos) e 81,3% (≥ 90 anos), o que está de acordo com o Estudo de Lindau et al (2007), referido por Ramos (2018: 5), que “ao analisarem uma amostra de indivíduos com idades compreendidas entre os 57 e os 85 anos, verificaram que a prevalência de atividade sexual diminui com o aumento da idade e que entre os participantes sexualmente ativos a frequência da atividade sexual diminui essencialmente a partir dos 75 anos de idade”.
Perda de interesse no sexo

Conclusão
A sexualidade no envelhecimento é um tema essencial para a qualidade de vida das pessoas mais velhas. No entanto, ainda é rodeado por tabus e estereótipos que precisam ser desconstruídos. Por essa razão, é fundamental promover debates, pesquisas e políticas que valorizem o desejo e a intimidade nesta fase da vida. Além disso, ao normalizar essas conversas, conseguimos incentivar uma sociedade menos idadista e mais inclusiva. Portanto, é urgente que se reconheça a importância da sexualidade no envelhecimento, garantindo que todas as pessoas possam vivê-la de forma plena e saudável.
Perspectivas da Sexualidade Archives – Portal do Envelhecimento e Longeviver
Bibliografia
[1] MARQUES, Raul Jorge (2022). Estudo de Avaliação Multidimensional do Envelhecimento Ativo e Saudável. ANIMAR _Associação Portuguesa para O Desenvolvimento Local, Lisboa. https://www.animar-dl.pt/wp-content/uploads/2023/05/Estudo-de-Avaliacao-Multidimensional-do-Envelhecimento-Ativo-e-Saudavel.pdf
[2] Visão que a OMS não reconhece oficialmente.
[3] Há suplementos como o «tribulus terrestris» e a «maca peruana» (Lepidium meyeniique) que podem melhorar a líbido, assim como a suplementação com DHEA (desidroepiandrosterona), uma hormona que começa a diminuir a partir dos 30 anos e que interfere na produção da testosterona e do estrogénio e que é considerada um retardador do envelhecimento por contribuir para o equilibro hormonal, aumentar a líbido, evitar a impotência e manter a massa muscular. Como os suplementos estão fora da cadeia de validação de evidências dos Laboratório Farmacêuticos há países em que está proibida. Em Portugal há farmácias que fazem este suplemento com prescrição médica e também já é vendida em sites da especialidade: https://celeirointegral.pt/, https://www.naturitas.pt/, https://www.zumub.com/. A aquisição nestes sites só deverá ser efetuada quando se sabe a dosagem adequada, por prescrição médica ou de outro especialista devidamente credenciado.
[4] “A Disfunção Erétil caracteriza-se pela dificuldade em obter e/ou manter uma ereção adequada ao coito satisfatório para ambos os intervenientes. Sem ter qualquer relação com a líbido, ou desejo sexual, com a obtenção do orgasmo e ejaculação, e resulta de uma redução de afluxo sanguíneo e/ou drenagem venosa anormal”. https://www.clinicadopoder.pt/disfuncao-eretil/.
[5] Segundo o urologista José Pereira da Silva, Diretor Clínico da Clínica do Poder, especialista em medicina antienvelhecimento: “O tratamento desta patologia, quando se verifique a presença de prostatite ou outros fatores de ordem circulatória, pode incluir a aplicação de terapia laser de baixa intensidade, programas de pressão negativa, eletroterapia, terapia farmacológica, modulação hormonal e sempre que se verifique, a redução ou, preferencialmente, a eliminação de fatores e/ou comportamentos de risco detetado”. https://www.clinicadopoder.pt/disfuncao-eretil/
[6] MOURA, Miriene N.; SILVA, Cláudia F. T.; SANTOS, Flávia F. (2019). A Sexualidade na Terceira Idade: o tabu que envolve os idosos. 22º Semana de Mobilização Científica – SEMOC, Universidade Católica do Salvador – UCSAL
[7] RAMOS, C. I. C. F. (2018). Saúde Sexual e Envelhecimento: O papel dos fatores psicológicos e crenças sexuais. Dissertação (Mestrado Integrado de Psicologia) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação – Universidade do Porto.
[8] https://justnews.pt/noticias/gorjao-clara-a-frente-de-consulta-multidisciplinar-de-geriatria-do-hospital-cuf-descobertas
[9] CLARA, João Gorjão (2016). «Sexualidade sénior: O desejo não tem prazo de validade». Revista Saúda. 15 de junho de 2016. https://www.revistasauda.pt/noticias/Pages/Sexualidade-senior-O-desejo-nao-tem-prazo-de-validade.aspx
[10] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Tom%C3%A1s_de_Sousa_Martins
[11] MONTEIRO, Maria Heloyse L. et al (2021). «A sexualidade de idosos em meio aos riscos e tabus: uma revisão de literatura». Brazilian Journal of Health Review. https://brazilianjournals.com/ojs/index.php/BJHR/article/view/32491
[12] O perfil dos inquiridos também terá, por certo, alguma influência. No que concerne ao estado civil são pessoas maioritariamente casadas (46,6%) e viúvas (39,6%), predominando em termos de género o peso de viúvas, 44,9%, contra 21.3% de viúvos. Regista-se ainda 7,9% de pessoas solteiras, 4.7% de divorciadas e 0,9% de uniões de facto, tendo o número de solteiros maior representatividade entre os homens (9,6%, contra 7,5% de mulheres).